Certas empresas de software se especializam tanto em
determinados tipos de games, que se tornam mestras daquele gênero em particular. Ninguém
faz shooters como a iD ou a Valve,
poucos mandam tão bem em jogos de luta quanto a Capcom ou a SNK, e praticamente
todo o território de games esportivos é dominado pela EA. O mesmo podemos dizer
da BioWare e seus RPGs: é obra-prima atrás de obra-prima. Com Mass Effect, não
foi diferente.
O jogo é quase um “sucessor espiritual” do fenomenal Knights
of the Old Republic, mas sem ambientação Star Wars – ainda que tenha várias
influências desse universo. Desse, e de vários clássicos de ficção-científica.
Mass Effect é uma space opera em sua
melhor forma, e faz alusões a grandes obras como o próprio Star Wars, 2001,
Star Trek, Duna – mas mantendo uma identidade toda própria. Fãs do gênero sci-fi como eu irão se deliciar, pois
faz tempo que não temos um universo criado do zero tão instigante e com tanta
riqueza de detalhes quanto a galáxia exibida em Effect. Quem curte
uma ficção-científica hard também não
ira se decepcionar – o game está muito mais para a seriedade e embasamento
científico do gênero do que o mundo fantasioso de Guerra nas Estrelas.
No jogo você assume o papel do Comandante Shepard – cujo o
primeiro nome você que escolhe, mas nunca é mencionado no decorrer do jogo, e
que pode ser homem ou mulher. Um soldado da Aliança, a força representativa dos
humanos e do planeta Terra no complicado emaranhado político galáctico.
Interessante ressaltar que os humanos tem um papel muito secundário nesse
universo, que é liderado por um conselho formado por três raças – Salarians,
Asari e Turians – onde existem dezenas de outras, que, como os terrestres,
ficaram relegadas a meras representações através de embaixadores na Citadel, a capital política do universo.
Você, contudo, está sendo cogitado para ser o primeiro humano para o cargo de Spectre, um força de elite a serviço do
Conselho, formada por soldados especialistas das três raças principais, e que
tem autonomia para passar por cima da lei para cumprir seus objetivos. Sua
aceitação no cargo será vista como um importante passo na ascensão da raça
humana na política intergaláctica, que ambiciona nada menos que um possível
lugar no próprio Conselho.
Contudo, como é comum nesse tipo de narrativa, eventos
imprevistos acabam acontecendo e lá vai você tentando salvar o universo da
destruição iminente. O mais legal da excelente história é que você é meio que
deixado no escuro durante boa parte do jogo – você não faz idéia exatamente da
extensão da ameaça que você está enfrentando, até que é revelado nos últimos
momentos e cai como uma bomba no seu colo. O jogo também te dá uma incrível
liberdade para tomar certos rumos, e embora a trama principal do jogo permaneça
inalterada, o destino de vários personagens e até mesmo raças inteiras poderá
ser diferente no final, conforme suas decisões. Tudo é tão épico e a escala é
tão grandiosa, que quando o jogo termina e começam a rolar os créditos, você
fica com aquele gostinho de ter experimentado algo realmente sensacional, e
fica querendo mais (essa é só a primeira parte de uma trilogia já planejada). É
mais ou menos a mesma sensação de assistir Star Wars: A New Hope pela primeira
vez, ou ler o primeiro volume do Senhor dos Anéis.
Sobre esse esquema de tomada decisões, eu achei esse
realmente o ponto alto do jogo, e onde ele realmente inova. Muito foi falado
sobre o sistema de diálogos, que é interessante e realmente uma evolução sobre
o sistema tradicional, mas é nesses momentos decisivos em que o game realmente
mostra seu brilho. Haverão eventos trágicos, em que você terá que decidir quem
vive e quem morre, e momentos como esse são marcantes, pois te afetam pelo
resto do jogo. Haverão decisões mais leves também, mas não menos complicadas –
por exemplo, durante todo o jogo eu ficava jogando idéia em duas das mulheres
da minha tripulação, uma Asari e uma humana, e, incrivelmente, devido ao
sofisticado sistema de relacionamento do jogo (uma evolução sobre o sistema de
influência do KOTOR II), as duas começaram e ficar com ciúmes uma da outra, e
resolveram me colocar na parede e me forçar a escolher uma. Foi uma decisão,
tão, tão difícil (eu queria as duas!), que eu precisei salvar o jogo e passar o
dia seguinte pensando em qual escolher, para só na próxima noite fazer minha
opção (pela humana). Depois, mais pra frente, eu até me arrependi da decisão
(pensei melhor e devia ter escolhido a Asari), mas aí já tava horas adiante e
era tarde demais.
O jogo também herda de KOTOR os pontos “do bem” e “do mal”,
só que ao invés de Light Side points
e Dark Side points, temos Paragon points e Renegade points. O legal é que ao contrário do KOTOR, esses níveis
não são mutuamente excludentes, mas contados em medidores separados, e que a
linha moral entre “ser mau” e “ser bom” é mais complexa. Ser renegade não quer dizer, necessariamente,
ser malvado, mas resolver as coisas de maneira violenta, cruel e agressiva,
mesmo que com boas intenções - estilo “os fins justificam os meios”. Jack Bauer
tem atitudes de renegade. O Sawyer do
Lost age socialmente como um renegade.
Isso é bacana, por que nem sempre o personagem precisa ser 100% bom ou mau, mas
um meio termo que tende mais para um ou outro lado. Claro, esses marcadores
afetam também a maneira como outros personagens o vêem, e até as opções de
diálogos (personagens mais paragon
usam mais a lábia, e os renegade usam
mais a intimidação).
Não é só de interação de personagens que vive um RPG, e
posso dizer seguramente que Mass Effect se dá bem em outras áreas também. O sistema
de combate, por exemplo, é sensacional. Funciona como uma mistura do sistema em
pausa do KOTOR e do combate shooter
tático do Gears of War. Soa estranho, mas funciona que é uma beleza. Além das
armas de fogo, você tem a disposição habilidade psiônicas interessantíssimas,
conhecidas no universo do jogo como bioptics,
e algumas são fantásticas, como um determinado poder que cria uma bola de
energia gigantesca que suga todos os inimigos (e objetos do cenário) no raio de
ação pra dentro dela. Você conta também com especialistas em tecnologia, que
podem sabotar as armas ou escudos dos inimigos, ou hackear inimigos sintéticos.
Do ponto de vista técnico, o jogo também é só elogios. A
trilha sonora é ótima, ainda que inconstante (tem vários temas memoráveis,
porém alguns temas totalmente esquecíveis no meio). Graficamente o jogo é bem
bonito, embora o 360 possua vários títulos visualmente superiores como
Assassin’s Creed, Gears of War ou BioShock. Porém o aspecto técnico mais forte
do jogo são os efeitos sonoros e a dublagem, que é nada menos que sensacional,
inclusive com a participação de famosos, como Seth Green ou Lance Henriksen.
O jogo, contudo, não é perfeito e tem seus defeitos, alguns
bem evidentes. O que mais me incomodou foi a falta de cuidado no desenho de
algumas quests secundárias, que
repetem exatamente o mesmo mapa quando você entre em determinada base ou aborda
uma nave, mudando só a disposição dos objetos dentro dela. Além disso, glitches como erros de colisão e
personagens “presos” no cenário não são raros, embora nenhum deles me obrigou a
dar um load – resolvi todos fazendo o
personagem abaixar e entrar no modo de combate. Além disso, se você se
concentrar apenas na campanha principal, o jogo pode acabar sendo muito curto
(acredito que se você correr, consiga terminar em algo entre doze ou quinze
horas) – porém se você for do tipo “completista”, como eu, e tentar fazer todas
as subquests imagináveis, dá pra
jogar pelo menos umas trinta horas seguramente (o que pra mim, também, acabou
sendo pouco, de tanto que eu estava curtindo o jogo).
Mass Effect é um puta RPG, o melhor do gênero no XBox 360
até agora e um dos grande títulos de 2007, que foi um tremendo ano para os
games. Que venham as continuações!
Nota: 9,4