As Crônicas de Artur: O Rei do Inverno (Bernard Cornwell)

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Guybrush Threepwood
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As Crônicas de Artur: O Rei do Inverno (Bernard Cornwell)

Não tenho o hábito de escrever análises literárias (na verdade, essa é a minha primeira), mas dessa vez me senti compelido. Apesar de eu ler com uma certa frequência, fazia tempo que não tinha em mãos um livro tão bom e tão envolvente, e que me desse tanto prazer de ler.

"O Rei do Inverno", de Bernard Cornwell, é o primeiro volume de uma trilogia, Crônicas de Artur (The Warlord Chronicles), bem conhecida até, mas que até então não havia tido a oportunidade de ter em mãos. A contra-capa do livro o vende como o relato mais preciso e históricamente acurado da figura do Rei Artur - o que é não é bem assim. Sim, o livro é o retrato mais "realista" da lenda de Artur (que existem indícios de ter existido), mas o próprio autor adimite as liberdades criativas que toma, nas últimas páginas do livro, como anacronismos deliberados ou inclusão de personangens fictícios.

Como realista, entenda-se a ausência da parte "fantasia" da história. Sim, temos Merlin, que é um druida temido e sábio. Mas não existe mágica de verdade: Cornwell usa o ponto de vista do narrador da saga para causar a sensação de que feitiços poderosos são invocados, mas se têm algum efeito, conseguimos ver claramente que é por truque ou coincidência, embora o narrador acrescente paixão ao relato, como se realmente estivesse acreditando nos poderes místicos.

Aliais, o narrador em si é um ponto muito interessante da obra. Embora o foco da saga seja Artur e a Britânia do seu tempo, ela acaba mais centrada nesse narrador, Derfel Cadarn, guerreiro e amigo de Artur. Derfel conta os eventos que leveram seu senhor a retornar ao reino de Dumnônia, conta como começou a lutar a seu lado, mas existem várias passagens distantes de Artur, só Derfel. O que não é um defeito, pois o próprio narrador é um personagem fantástico, e de grande importância aos eventos.

Por falar em personangens, belo trabalho de Cornwell nesse aspecto: todos são excelentes, bem desenvolvidos, e humanos, embora o autor tenha incluído alguns twists... Lancelot, por exemplo, que é tido como um fiel e bravo cavaleiro nas outras versões da saga, aqui é um covarde, com o poder da manipulação, que suborna bardos e poetas para inventarem grandes feitos seus, transformando-se num grande herói só com o poder da palavra. Artur, que nunca chega a ser realmente coroado rei, mas assume o governo da Dumnônia enquanto protege o rei infante, embora justo e honesto, não possui aquela aura do herói perfeito - comete erros, e praticamente sozinho provocou uma guerra sangrenta entre os reinos... e o melhor personagem, infelizmente, é o que aparece menos: o próprio Merlin, sábio, genial, ora arrogante, ora egoísta, mas sempre aparecendo de forma triunfal e fazendo brilhar todos os seus momentos.

A narrativa de Cornwell é apaixonante e cativante, dá pra ler umas duzentas páginas de uma tacada só (foi o que eu fiz, com as últimas páginas do livro). O relato é brutal e violento, como provavelmente realmente foi a Idade da Trevas, e mesmo os personanges que temos como "bons", nem sempre fazendo que seria moralmente correto hoje, mas foi moralmente correto naquela época.

Enfim, uma das melhores coisas que eu li em um bom tempo, e anseio pela segunda parte (que pretendo comprar amanhã mesmo).

 

 

Leão da Barra
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Maldito seja, Guybrush!

Acabei de ler esse livro ontem (também li as últimas páginas numa tacada só, não conseguia parar) e estava planejando escrever uma resenha sobre ele. Só por desencargo, fiz a busca e descubro que você já criou o tópico mais de um ano atrás!

Como você disse, o narrador Derfel é mesmo um personagem cativante, de maneira que a leitura não fica nada aborrecida quando o foco da narrativa é desviado de Artur para ele. O interessante é que a história é contada em dois momentos distintos, o "presente", quando Derfel é um velho monge que está escrevendo a história de Artur a pedido de uma rainha, e o passado, quando ele era um guerreiro a serviço de Artur. Mal posso esperar, aliás, para descobrir como se deu essa transformação de guerreiro pagão para monge cristão.

O início de cada capítulo é contado no "presente", com Derfel e a rainha conversando sobre a história que está sendo escrita por ele e avidamente lida por ela. Isso gera um exercício interessante de metalinguagem, porque o autor fica analisando a sua própria obra e discutindo-a com a rainha. Um exemplo é o que o Guybrush mencionou:

Guybrush Threepwood wrote:
Lancelot, por exemplo, que é tido como um fiel e bravo cavaleiro nas outras versões da saga, aqui é um covarde, com o poder da manipulação, que suborna bardos e poetas para inventarem grandes feitos seus, transformando-se num grande herói só com o poder da palavra.

Derfel assumidamente não gosta de Lancelot, e a rainha se pergunta até onde vai a isenção no seu relato. Quer dizer, a história está sendo contada do ponto de vista de um cara que não gosta de Lancelot, então será mesmo que ele era um covarde, ou é a raiva do narrador distorcendo os fatos? Outra passagem curiosa é a que ele admite que modificou um pouco a forma como se deu a fuga do Tor, para acrescentar suspense e deixá-la mais interessante.

Interessante também é a forma como o autor dá um jeito de encaixar na história personagens importantes da mitologia, mas que não teriam lugar em uma Britânia "realista". Assim, como você disse, Merlin virou um Druida respeitado, mas sem poderes de verdade, a "Dama do Lago" virou amante e aprendiz de Merlin, Camelot virou Caer Cadarn e, ao final do livro, fica claro que a busca pelo Graal vai virar, nos capítulos seguintes da trilogia, a busca por um caldeirão Druida.

Muito bom o livro. Já tinha lido outras obras de Bernard Cornwell, e ele só fez crescer no meu conceito. É, possivelmente, o melhor do mundo nesse gênero "romance histórico" (gênero, aliás, que muito me agrada). Vou comprar o segundo volume ainda hoje.

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Falta de Esculhambação

 

Guybrush Threepwood
Foto de Guybrush Threepwood

Falando em Cornwell, comprei recentemente o último livro dele lançado aqui no Brasil, "Stonehenge" (que na verdade foi lançado na Inglaterra em 1999). Ainda não comecei a ler, mas assim que der posto uns comentários sobre ele aqui.