O craque (Crônicas de um atleta virtual)

Sou um craque da bola, o verdadeiro brasileiro. Eu driblo bem, dou elásticos inacreditáveis, marco, volto, marco, tomo a bola, corro, driblo, driblo, corro, driblo, deixo no chão e coloco a bola no ângulo com tamanha precisão que os adversários olham-me incrédulos. Aliás, olham não! O L H A R I A M. "Olhariam" porque, embora gênio - tão craque quanto qualquer Ronaldo que exista por aí - tenho aptidão física de um norte-americano de classe média, desses que sempre são assunto no Globo Repórter. Resumindo: sou um gênio, domino todas as estratégias futebolísticas e sei como entortar o adversário e humilhá-lo com um olé. Mas tudo isso mentalmente, pois meu corpo é demasiado incapacitado para meu espírito empreendedor. A verdade, meus amigos, é que sou sedentário; exercito-me só nas férias. Durante o resto do ano, sento-me aqui, leio o joio e vejo redtube com a maior simpatia do mundo, pois sou feliz com meu sedentarismo. Mas acontece que, vez ou outra, chamam-me pr'uma pelada rotineira. Explico: rotineira para eles; para mim, um evento solene.

Encho o peito de orgulho, ponho as caneleiras, cubro com os meiões e calço minhas chuteiras. Tento enconstar as mãos nos tornozelos sem dobrar os joelhos. Tento. Faço quinze estúpidos polichinelos, e fico andando igual ao Romário, meio marrento, queixo pra cima etc. Os outros, na quadra, vão escolhendo os jogadores. Um desconhecido me escolhe (meus amigos, que me conhecem, tomam-me como última opção; os deconhecidos, vendo-me de meiões e caneleira, encarnado num personagem cuja virtude é a habilidade com a bola, escolhem-me como a salvação).

Inicia-se a partida. Toque de bola, time bem entrosado, tocam pra mim, chuto pra fora. Abaixo solenemente e finjo ajeitar algo na chuteira. Meu coração já está disparado desde o oitavo polichinelo. Mas tenho raça, e me esforço para pôr as minhas jogadas mentais em prática.

Escanteio. Me arrasto até a área. A bola, murcha como teta de pobre*, vem em minha direção. Slow Motion. Pondero acerca das possíveis jogadas: bicicleta, voleio, cabeçada. Opto pela última por ser a mais conveniente. Pulo... ajeito a cabeça e... GOOOOOOOOOOOOOOOOOOL. Saio vibrando, corro feito um louco, cubro a cabeça com a camisa e abro os braços. Continuo correndo. Páro. O coração à boca. Cumprimento meu companheiro pelo magnífico gol olímpico. Dou sinal para um técnico imaginário, sinal de mudança. Peço que me substituam. Sento à grama, e espero por duas horas até que terminem e saiamos para beber alguma coisa.

O engraçado dessas minhas partidas esporádicas é que sempre quem me escolhe passa a me olhar torto depois que eu começo a jogar. Eles ficam desapontados, como se eu tivesse prometido algo. Sou um engôdo ambulante, uma isca, um pega-trouxa. E me divirto. É por isso que toda vez que me escolhem eu não consigo evitar um sorriso. Um lindo, charmoso e traiçoeiro sorriso.

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* Alusão a um comentário do Quase Nada sobre bola de futsal e tetas de pobre.

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A porra do post ficou parecendo post de blog, mas é o seguinte: Ontem, enquanto eu assistia Globo Repórter, vi uma velha levantar, com as pernas, 150Kg. Senti-me ofendido. Hoje levantei 12 kgs de gesso e vi que força é apenas uma perspectiva. Então resolvi fazer uma ode ao meu sedentarismo, pois eu imagino que todos vocês são gordos e, neste momento, tão com um copinho de milkshake sobre a barriga, com a mão esquerda num saquinho de ruffles, se identificando comigo.