Democracia ocidental perde terreno para autocratas
Democracia ocidental perde terreno para autocratas
Atualmente a democracia deixa muitas pessoas indiferentes, e na Ásia e na África, muitos preferem sistemas autocráticos. Manchado por Bush, Guantánamo e Abu Ghraib, poucos estão interessados no modelo de democracia exportado pelos Estados Unidos
Era uma vez um rei que era chamado de "Soberano Precioso do Povo Dragão". O monarca amava seu povo e seu povo o amava. Certo dia ele anunciou que desceria do trono e voluntariamente cederia sua posição de poder absoluto. Ele disse que tinha chegado a hora do povo governar a si mesmo e que isso tornaria as pessoas do país mais capazes de realizar sua filosofia de "Felicidade Nacional Bruta".
As pessoas ficaram inseguras. Elas achavam que tudo em seu pequeno reino estava bem do jeito que estava. Por outro lado, elas não queriam ir contra a tendência dos tempos ou contra os desejos de seu rei. Então elas foram em frente e fundaram partidos políticos. Apesar de seu ceticismo em relação à democracia, elas foram obedientemente às urnas e deram seus votos. O comparecimento dos eleitores foi de cerca de 80%. Uma maioria esmagadora do eleitorado votou pelo Partido Paz e Prosperidade. Vocês vêem, pode ser feito, observou o rei, satisfeito com os resultados. Ele disse que aguardava ansiosamente pela sua perda de poder e por participar dos debates parlamentares.
Isto pode soar como um conto de fadas ou uma história baseada em uma figura da história antiga, mas de fato aconteceu, e há não muito tempo. Em 24 de março, o Butão -um pequeno país no alto do Himalaia, situado entre a Índia, China e Tibete- foi transformado por ordem do rei, Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, de uma monarquia absolutista em uma monarquia constitucional democraticamente legitimada. Há nove anos a televisão foi legalizada neste reino remoto com seus picos montanhosos majestosos, mosteiros budistas e população de 680 mil. Agora a democracia foi introduzida por meio de um procedimento cuidadosamente planejado, de cima para baixo -como quase tudo aqui no "Reino do Dragão do Trovão", empoleirado no alto da cadeia de montanhas mais alta do mundo.
Marque um ponto para a democracia. Na Freedom House, uma organização com sede em Washington que compila e atualiza regularmente pesquisas sobre o status da liberdade no mundo, seus membros espetaram uma bandeira verde indicando "livre" em um mapa-múndi. Já era hora de ter algo positivo para relatar.
Após o final da Guerra Fria e o colapso da União Soviética, o Ocidente declarou que a democracia liberal tinha triunfado. Dada a queda de Slobodan Milosevic após as manifestações estudantis não violentas em Belgrado, em 2000, a Revolução das Rosas na Geórgia, em 2003, a Revolução Laranja na Ucrânia, em 2004, e a Revolução do Cedro, no Líbano, em 2005, a tendência parecia caminhar na disseminação da democracia. Belarus parecia ser a próxima peça de dominó a cair, seguida pelo Azerbaijão e talvez Mianmar. Regimes autoritários por todo o mundo pareciam estar de saída, ou pelo menos era o que os jovens "fazedores de democracia" estavam transmitindo por e-mail uns aos outros na época, juntamente com receitas para organizar o próximo golpe de desobediência civil e a "Revolução S.A.".
Mas logo ficou evidente que regimes autoritários podiam ser removidos por manifestações não-violentas apenas se já estivessem enfraquecidos e algum tipo de movimento de oposição já existisse. Elas não funcionaram contra todos os regimes repressores. A polícia espancou brutalmente os manifestantes em Minsk, Baku, Yangun e Tachkent. A mesma coisa aconteceu em Lhasa, a capital do Tibete, sob ordens da liderança comunista chinesa em Pequim, em resposta às manifestações realizadas por monges budistas em março deste ano.
Após quase duas décadas de desenvolvimentos esperançosos, o mundo sofreu reveses dolorosos em 2006 e 2007 -pelo menos aos olhos dos especialistas da Freedom House, uma organização de monitoramento que é em grande parte financiada pelo governo dos Estados Unidos, mas que também recebe algumas doações privadas. A organização relatou uma diminuição nos direitos políticos e nas liberdades civis. A democracia está em declínio, um modelo em crise. Na Alemanha a democracia permanece incontestada como forma de governo, mas também não provoca mais grande entusiasmo. Em termos de níveis de apoio público e interesse necessários para ser um sucesso, ela é vista como estando ameaçada aqui também.
O comparecimento dos eleitores nas eleições estaduais alemãs estão em declínio há anos. Na esfera municipal, não há mais candidatos suficientes para assegurar que toda eleição para prefeito seja um exercício de democracia. Os grandes partidos políticos tradicionais do país -os conservadores Partido Democrata Cristão (CDU) e União Social Cristão (CSU), assim como o Partido Social Democrata de centro-esquerda (SPD)- estão experimentando uma enorme perda de filiados. Entre os jovens há uma redução dramática naqueles que acompanham regularmente os acontecimentos políticos. Se as coisas continuarem desta forma, a Alemanha acabará se tornando uma democracia sem um "demos". De qualquer forma, uma maioria clara das pessoas nos Estados alemães do leste não está mais satisfeita com o modo como funciona sua forma de governo.
Ainda pior, líderes empresariais e políticos estão expressando entusiasmo pelo espírito pode-fazer do campo autoritário e o estão fazendo de forma cada vez mais aberta. Vendo a estagnação na maioria de seus próprios países, eles vêem os booms econômicos ocorrendo em outros lugares e freqüentemente expressam admiração não crítica por eles. Novos centros de força econômica como Moscou, Xangai, Dubai e Cingapura constantemente os impressiona com novos superlativos, as mais altas e mais belas "catedrais" da globalização. Eles têm um desejo de participar deste crescimento econômico e, de fato, eles precisam caso não queiram perder o acesso aos mercados do futuro em crescimento.
Na competição global da atualidade, muitas empresas estão dispostas demais a se prostrar diante de regimes autoritários visando obter novas encomendas de negócios. Elogio não sincero a valores como direitos humanos é considerado incômodo e contraproducente. O sucesso é medido pelo fato de uma tecnologia alemã como o trem de levitação magnética Transrapid poder ser construído em uma cidade como Xangai. As circunstâncias sob as quais isso foi possível são de importância secundária. Heinrich von Pierer, um fã da China e ex-presidente-executivo da gigante de engenharia e eletrônica alemã Siemens, já disse: "Nós simplesmente não podemos arcar em ignorar os chineses".
E então o óbvio é deixado de lado. Seja o que for que ligue os putinistas, os capitalistas do Partido Comunista, os xeques autoritários e os repressores que se agarram ao poder, é tudo menos o tipo de democracia que ainda é altamente apregoada e elogiada por nossos políticos. Até mesmo o ministro do Comércio e Indústria da Índia, normalmente tão orgulhoso de viver "na maior democracia do mundo", recentemente reclamou que às vezes gostaria dos tipos de processo de tomada de decisão rápidos e descomplicados que os chineses dispõem.
Todas as suposições acalentadas por nós por décadas não estão mais corretas? Coisas como o famoso comentário de Winston Churchill de que "a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que foram tentadas"? Seriam a separação dos poderes e direitos humanos de fato conceitos não universalmente válidos de sucesso? Será que sistemas repressivos de fato podem funcionar melhor? Breves períodos de deliberação em vez de longas discussões, emissão de ordens em vez de acertar compromissos? Será racismo ou simplesmente verdadeiro o que o ex-secretário de Estado americano, Colin Powell, disse: "Existem alguns lugares que não estão prontos para o tipo de democracia que consideramos tão atraente para nós mesmos. Eles não estão culturalmente prontos para ela, não estão historicamente prontos para ela e não possuem as instituições necessárias".
No que se refere ao estado geral da democracia, más notícias predominam ultimamente. Quando eleições genuinamente livres são de fato realizadas no Terceiro Mundo, como aconteceu na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, e mais recentemente no Nepal, são os radicais que vencem. Isto, por sua vez, deixa o Ocidente diante do dilema de reconhecer ou não uma organização terrorista, já que foi legitimizada em uma eleição democrática. Países importantes como China, Egito, Nigéria e Venezuela são exemplos de avanço do autoritarismo. E há o risco de poder se disseminar como incêndio florestal. O que temos aqui não é o "fim da história" como o professor Francis Fukuyama acreditava em 1992 -isto é, a resolução de todos os problemas em um ambiente bem-aventurado e democrático- mas sim um "retorno ao passado", com Estados fracassados, fragmentados e agressivos.
Bush feriu a democracia americana, mas ela está sarando
Pegue o exemplo do Zimbábue. As pessoas podem votar lá, mas se os resultados não forem do agrado do déspota Robert Mugabe, ele ordena o espancamento e tortura de seus oponentes e a manipulação dos resultados eleitorais. Infelizmente, a única coisa que conta é quem realiza a contagem. Vladimir Putin, em cooperação com seu sucessor e provavelmente parceiro júnior, está movendo a democracia "administrada" da Rússia cada vez mais rapidamente na direção de uma "ditadura democrática", com governo arbitrário em vez de eleições genuínas e regra da lei. "Devemos fazer com seja pouco mais de 70%, sr. Medvedev", é possível imaginá-los dizendo por trás das paredes do Kremlin.
Há instrumentos de repressão que todos no Ocidente condenam, governos e o público em geral. Não tanto na China ou na Rússia. Quando 300 mil pessoas são mortas em Darfur em conseqüência de políticas promovidas pelo governo sudanês, ou quando a junta militar de Mianmar espanca até a morte monges que realizavam manifestações pacíficas, os homens no comando em Moscou e Pequim permanecem em silêncio e permanecem juntos ombro a ombro. A letra alemã do famoso hino socialista, "A Internacional", encoraja os seguidores a "lutarem por direitos humanos", mas esta nova aliança de autocratas está na verdade unida contra eles ou dá as costas para eles. Interesses estratégicos -primeiro e acima de tudo o acesso a matérias-primas que são distribuídas de forma tão desigual ao redor do mundo- prevalecem. Estes interesses tornam os sistemas políticos suscetíveis às ditaduras. Dos 23 países com as maiores reservas do mundo em recursos naturais, apenas a Noruega tem instituições democráticas. A tendência está claramente na direção oposta.
Nós não estamos ouvindo pedidos da Ásia e da África por uma separação de poderes no governo ao estilo Ocidental, nem por liberdade de imprensa. As pessoas ali se tornaram cínicas. Não ocorreram melhorias no padrão de vida em lugares onde a democracia é altamente apregoada, como nas Filipinas. O aumento dos preços dos alimentos (ditado pelos mercados globais), governos incompetentes e corrupção desenfreada transformaram em uma farsa as instituições que supostamente trabalham para o povo.
Por outro lado, progressos foram conseguidos com o modelo chinês. Seu sistema econômico cada vez mais aberto e sistema político fechado parece atraente para muitos países do Terceiro Mundo. A felicidade pessoal não é definida em termos de eleições livres, liberdade de imprensa ou liberdade de reunião, mas sim em termos de oportunidades de progresso econômico. Segundo recentes pesquisas realizadas pelos cientistas sociais da Pesquisa Mundial de Valores, as pessoas em Moldova, um país pobre mas formalmente democrático, estão entre as menos felizes do mundo, enquanto os habitantes da República Popular da China, um Estado de partido único, estão entre as mais otimistas.
O sabor da temporada é o autoritarismo pragmático à la Lee Kuan Yew. O ex-primeiro-ministro de Cingapura declarou com autoconfiança que a democracia ocidental não é adequada para os asiáticos e que seguiriam uma rota diferente, uma muito melhor para eles.
Algo que tem caracterizado a democracia no sentido ocidental do termo, desde o início, é a promessa de justiça e participação no governo, uma perspectiva de progresso. Ao longo da história, demos e kratos, povo e poder, raramente estiveram em perfeita harmonia, e certamente não estavam na época dos pais fundadores.
Na Grécia antiga, que nos deu as palavras que descrevem esta forma de governo, apenas os cidadãos livres do sexo masculino podiam participar das tomadas de decisão. Escravos, mulheres e pessoas de outras cidades não tinham direito a voto. Apesar do Império Romano ter criado as fundações de um sistema inicial de governo baseado em leis, foi apenas com a provação da Carta de Direitos inglesa em 1689 que o parlamentarismo foi institucionalizado. Depois disso os franceses também entraram em cena. Montesquieu, Rousseau e Voltaire assumiram a luta pela liberdade de pensamento e igualdade perante a lei. Mas foi apenas em 1789 que um governo genuinamente democrático foi criado, com base na Constituição americana.
Muitos dos direitos básicos idealizados, formulados por Thomas Jefferson, nunca foram implantados, tendo sido temperados pelas realidades de sua época, que estavam longe de ideais. Apesar das garantias do contrário, Jefferson nunca teve a intenção de abolir a escravidão. Ela era um negócio lucrativo demais e, como proprietário rural, ele era dono de escravos.
Os Estados Unidos tiveram uma estrada longa e difícil à frente na questão da escravidão. Em geral, os americanos ganharam suas liberdades constitucionais lutando por elas, e este ímpeto veio do próprio povo. Foi apenas em meados dos anos 1960 que o movimento de direitos civis liderado por Martin Luther King obteve direitos iguais para os afro-americanos. A democracia envolve a aquisição gradual de direitos por meio de um processo laborioso, que exige paciência e perseverança. A democracia não oferece soluções automáticas e nem oferece receita para felicidade instantânea.
Os Estados Unidos se desenvolveram em um sistema com modelo de caráter baseado em seus direitos democráticos, incluindo eleições livres, separação dos poderes (por meio de ramos Executivo, Legislativo e Judiciário do governo), liberdade de expressão e proteção das minorias. Mas os Estados Unidos perderam grande parte do atrativo que antes tinham para outros países. Tanto que mais de 50% dos alemães e franceses agora julgam negativamente as políticas da maior potência ocidental. É altamente improvável que isto tenha algo a ver com o senso geral de ceticismo em relação à democracia. Há uma óbvia conexão entre este declínio da popularidade e o histórico do governo Bush. A lista de roupa suja inclui a permissão para torturar prisioneiros, as condições em Guantánamo, a violação da lei internacional ao invadir o Iraque, a provocação de aliados com abduções e rendições extraordinárias para locais obscuros da CIA. Isto não é exatamente o que alguém poderia chamar de viver de acordo com os ideais democráticos.
Muitos americanos compartilham esta avaliação do governo Bush. As pesquisas Gallup realizadas recentemente mostram Bush com o pior índice de desaprovação já medido para um presidente americano. Mais de 70% da população americana acredita que seu país, há muito visto como um exemplo para o restante do mundo, está caminhando na direção errada.
Esta é uma mudança radical que também poderia fornecer uma oportunidade. A visão simplista do mundo por parte dos neoconservadores, incluindo sua crença de que a capacidade dos Estados Unidos de projetar poder no exterior é absoluta, foi despedaçada. Uma nação em crise está lentamente encontrando seu caminho de volta aos seus valores centrais. Em várias ocasiões, juízes independentes da Suprema Corte proferiram decisões que prenderam as asas do governo. A imprensa não está mais contendo suas críticas.
Os poderes de autocura da democracia começaram a agir. As primárias presidenciais mostraram quão forte é a tradição da disputa política e quão atentamente a grande maioria da população está acompanhando o esforço competitivo para encontrar o candidato certo, que tenha as políticas certas. Estes últimos meses exibiram o show de Obama-Clinton-McCain. Após anos em que a democracia foi emasculada, nós estamos finalmente vendo um exemplo vivo de pluralismo americano.
O candidato republicano não fala sobre exportar valores ocidentais ou arrogantemente sobre agir de forma unilateral, sem consultar o restante do mundo. Ele se refere a si mesmo como multilateralista. Ele sabe que aos olhos de seus conterrâneos e do mundo em geral o status dos Estados Unidos como superpotência foi consideravelmente enfraquecido, tanto militar quanto moralmente, pela ocupação no Iraque. No momento, o mundo não está inclinado a confiar nos Estados Unidos como carregadores da tocha dos valores democráticos, assim quanto nos chineses como carregadores da tocha dos valores associados aos Jogos Olímpicos.
A questão para o Ocidente nos próximos anos não é tanto que países se abrirão para o modelo ocidental de governo parlamentar ou mesmo para adotar este modelo. O problema imediato enfrentado pelos Estados Unidos e outras democracias é o como desacelerar o avanço dos países autocráticos e limitar seu atrativo para outros. Não há dúvida de que muitas coisas podem ser feitas mais facilmente em um sistema autoritário. "Quem não preferiria fazer negócios em um país que não conta com sindicatos trabalhistas livres? Quem deixaria passar a chance de reconstruir cidades inteiras sem que a população tenha algo a dizer?", perguntou o proeminente autor Ian Buruma, que aconselha contra a pregação de pureza em assuntos de democracia.
Com o fim da Guerra Fria, as distinções antes claras entre democracia e autocracia começaram a ficar embaçadas em ambos os lados da ex-Cortina de Ferro, assim como nos Estados clientes dos americanos e soviéticos na Ásia, África e América Latina. Em um exame mais atento e pelo ponto de vista dos interessados, a democracia não é mais vista em todo caso como algo extremamente positivo para ser admirado e trabalhado (se, de fato, alguma vez tenha sido vista desta forma). A autocracia não é mais vista em todo caso como algo terrível ou algo de que se ter medo. E isto é perfeitamente compreensível. Os governos não vêm em formas e cores distintas, mas sim em muitos tons de cinza.
Se a democracia continuar a ser um conceito imposto de fora, ela acabará sendo questionada. Com freqüência demais o Ocidente tem se contentado com o mero cumprimento de algum critério formuláico vazio. Na Nigéria, por exemplo, "partidos" foram criados de acordo com o exemplo ocidental.
No papel, pelo menos, parecia maravilhosamente democrático. Mas estes partidos não eram lugares onde políticas eram formuladas e tomada de decisão política era realizada. Eles eram apenas fachadas de interesses de políticos e empresários corruptos. Sob essas condições, as eleições são absolutamente contraproducentes para o desenvolvimento dos países em questão, particularmente se estiverem divididos em áreas tribais e os partidos forem dominados por grupos étnicos específicos. As eleições na Nigéria e no Quênia tendem a exacerbar os conflitos étnicos em vez de ajudar a promover a reconciliação nacional. Uma democracia sustentável se baseia em mais do que apenas eleições. Ela exige uma sociedade civil funcional que tenha confiança nas instituições de governo, esteja disposta a trabalhar com base no acordo e respeito a lei. De forma mais simples, a menos que você tenha governo da lei e políticos competentes livres de corrupção, você não tem democracia.
A democracia só pode vir de baixo para cima
Boa governança -isto é, governo no melhor interesse do povo- não é possível sem sua participação, mas pode ser administrado sem copiar idéias ocidentais. Apesar do país ser governado de uma forma patriarcal, nenhum observador sério negaria que Cingapura é governada de forma competente. As pessoas de lá se beneficiam da liberdade que têm para moldar as decisões políticas. Ao mesmo tempo, elas se beneficiam do fato do governo fornecer a elas segurança econômica básica, acesso à educação e atendimento básico de saúde.
Estes benefícios sociais também são garantidos nos Emirados Árabes Unidos, pelo menos para os cidadãos do país. Mas estes representam apenas um décimo da população geral do país. A maioria dos demais são trabalhadores convidados indianos e paquistaneses desprivilegiados. Com o Conselho Nacional Federal ("Majlis"), que tem uma função consultiva nos processos de tomada de decisão e também trata de questões críticas, os governantes perspicazes de Abu Dhabi e Dubai se vêem seguindo a tradição do Profeta.
Muçulmanos conservadores e radicais islâmicos percebem as formas ocidentais de democracia como uma ameaça à sua religião. Isso não é difícil de entender, dada que a experiência deles com a democracia exportada pelos Estados Unidos ou Europa tem sido com algo imposto a eles, freqüentemente com força militar, como no caso do Iraque.
As pessoas mais insatisfeitas e pessimistas do mundo vivem nos Estados pós-soviéticos e no Iraque -todos formalmente definidos como países democráticos. O professor Ronald Inglehart, da Universidade de Michigan, notou que simplesmente não é o caso de pessoas viverem felizes para sempre quando Constituições são adotadas. É óbvio que a democracia por si só não torna automaticamente as pessoas felizes. Em vez disso, são pessoas felizes que fazem uma democracia.
Inglehart se refere neste contexto à Coréia do Sul e Taiwan, sociedades que até os anos 80 eram ditaduras estritamente regimentadas, mas que ainda assim ofereciam aos seus cidadãos oportunidades de educação e progresso na carreira. À medida que as populações destas sociedades se tornam cada vez mais ricas, elas também têm sucesso em obter liberdades políticas. Atualmente, representantes eleitos de partidos dominam o cenário político tanto em Seul quanto em Taipé.
Mas isto pode ser visto como uma regra geral? Quando governos autoritários liberalizam suas economias isto gradualmente leva ao desenvolvimento de instituições democráticas e liberdades políticas? As pessoas exigirão estas liberdades e os governantes atenderão seus desejos? Especialistas disseram que o cenário da Coréia do Sul provavelmente acontecerá na China.
Até o momento, não há evidência que prove a suposição de que autoritarismo e crescimento econômico andem lado a lado. A maioria dos chineses parece satisfeita com as oportunidades que têm de progresso econômico e dão pouca importância à participação no processo de tomada de decisão política. Pequim está, quando muito, dando passos de bebê na direção da democracia. O país atualmente oferece eleições na esfera das aldeias, por exemplo, mas não além disso. Há uma garantia constitucional de propriedade privada e um direito à liberdade de expressão, pelo menos na teoria. Por outro lado, quando uma minoria como os tibetanos expressam o menor protesto, isto é visto como uma tentativa de desestabilizar o país e suas vozes são silenciadas com força bruta.
O Partido Comunista chinês fala muito sobre democracia. O presidente Hu Jintao a chama de "a meta comum da humanidade". Mas o partido se recusa a abrir mão de seu monopólio do poder político e não tem nenhuma intenção de permitir os outros atributos de um sistema pluralista, como liberdade de expressão, liberdade de reunião e um sistema judicial realmente independente. Violações sérias de direitos humanos são abundantes na China. Ativistas de direitos humanos são vítimas de prisão arbitrária e freqüentemente sentenciados a longas penas de prisão. É feito uso excessivo da penas de morte e prisioneiros condenados são executados aos milhares. As garantias do Partido Comunista de busca por políticas democráticas parecem ser mera zombaria.
Mas há uma coisa pela qual a liderança chinesa pode acertadamente receber crédito: "Nós implantamos o maior direito humano que há. Nós somos capazes de alimentar nossos 1,3 bilhão de cidadãos", escreveu o jornal oficial do Partido Comunista, o "Diário do Povo". Nunca antes na história tantas pessoas puderem ser retiradas da pobreza abjeta e construir uma existência normal para si mesmas em um período tão curto de tempo, isto é, nas três décadas desde que as reformas econômicas de Deng Xiaoping foram introduzidas. A maioria dos chineses ainda está disposta a tolerar a crescente desigualdade entre ricos e pobres. A maioria dos trabalhadores migrantes ainda está disposta a ver os empregos mal remunerados que têm nas grandes cidades da China como uma oportunidade, não como uma humilhação.
Mas as várias manifestações espontâneas contra ações arbitrárias por parte das autoridades administrativas, clientelismo e condições de trabalho escandalosas em minas de carvão e estabelecimentos que oferecem condições impróprias mostram que algo de importância vital está ausente no sistema chinês, apesar de seus níveis impressionantes de crescimento econômico e reservas recordes de moeda estrangeira. Não há escoadouro para a raiva contra as autoridades e usá-la para ajudar a neutralizar as tendências sociais negativas e as decisões políticas. A principal concorrente da China, a Índia, claramente conta com um escoadouro para a manifestação de descontentamento do trabalhador: uma imprensa crítica e eleições livres.
A República Popular da China e a Índia democrática, os dois países mais populosos do mundo, estão entre suas potências econômicas mais bem-sucedidas, com o dragão chinês atualmente um pouco melhor do que o elefante indiano. Há vários fatores que poderiam indicar que a democracia da Índia pode ter uma chance de superar a ditadura chinesa há longo prazo.
Os indianos removem pelo voto governos incompetentes. Eles não toleram restrições às suas liberdades civis. Eles insistem na segurança legal. Amartya Sen, um professor de economia e um ganhador do Nobel de Bengala Ocidental que não é um estranho às críticas às políticas do governo indiano, notou que não é a autocracia, mas formas democráticas de governo que ajudam a prevenir as tendências econômicas extremamente negativas. Ele citou como exemplo o fato de que nunca houve uma grande fome em uma democracia. Políticos em busca de reeleição não podem permitir que grandes desastres sociais ocorram.
Sen, que leciona em Harvard, acrescentou que a democracia contribui para a unidade nacional, apontando que a Índia é etnicamente muito menos homogênea do que a China, enquanto esta tem maior dificuldade em lidar com suas minorias. Ele sugeriu que Déli, que lidera na área de treinamento de elite, e Pequim, que tem um retrospecto notável em satisfazer as necessidades materiais e relacionadas ao conhecimento, poderiam aprender uma com a outra.
Os otimistas dizem que as sociedades democráticas provaram ser mais estáveis, também economicamente, do que as sociedades autoritárias. Elas ainda são melhores em obter uma sociedade mais igualitária. Como resultado, não há motivo de longo prazo para se sentir desencorajado. A democracia talvez esteja apenas em crise temporária, transitória. Nós sem dúvida teríamos mais sucesso em exportar a democracia se isto fosse feito mais cuidadosamente e sem a insistência de que sempre é o modelo certo.
A tendência decisiva na direção do pluralismo e separação dos poderes só pode vir de baixo, da base social de um país. Ela deve estar ligada com a esperança de melhoria das condições de vida e liberdades pessoais. É a única forma de podermos romper com "dependência auto-imposta" da qual falou Immanuel Kant.
"A democracia é a única forma de governo que permite a correção pacífica dos erros e, assim, continua sendo o modelo político mais atrativo disponível", avalia o historiador alemão Hans-Ulrich Wehler. Não há dúvida de que este seja o caso. Mas esta palavra ainda precisa chegar a muito mais pessoas. No momento, a tendência ainda está apontando na outra direção.
Tanto que apenas o Butão, um minúsculo país no alto do Himalaia, e, do outro lado do mundo, o Paraguai, na extensão plana dos pampas, foram os únicos países a adotarem com sucesso uma forma democrática de governo no passado recente. Em meados de abril, Fernando Lugo, um ex-bispo e herói dos pobres, conquistou uma vitória sensacional na eleição presidencial, derrotando um candidato do Partido Colorado, que governou o Paraguai por mais de 60 anos antes disto. Ainda não se sabe se a elite corrupta que controlou o país por tanto tempo se conterá ou se tentará minar a reforma agrária de Lugo. Obviamente, o ceticismo aqui é justificado. Todavia, uma nova experiência democrática teve início.
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2008/06/17/ult2682u833.jhtm
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Não li tudo, é muito grande!
Não li tudo, é muito grande! Fui pela diagonal, e achei muita bobagem no meio. Muita.
A falta de entusiasmo pelas eleições e pela dança das cadeiras no governo é exatamente o sinal de que ela está funcionando perfeitamente! Afinal, todo mundo sabe que, seja eleito Serra ou Dilma Roussef, as coisas vão ficar mais ou menos na mesma: rigor fiscal com algum enfoque social. Não existe espaço para aventureiros nas democracias modernas, e o público percebe isso e não tem mais a mesma paixão; as eleições não são mais um Fla-Flu.
O texto não mostrou um, sequer um, exemplo de país democrático que tenha deixado de ser democrático recentemente.
Ou seja, uma bela bosta.
Meu blog
Resumindo: Nós estamos
Resumindo:
Nós estamos fudidos?
eu ia falar isto - tudo
eu ia falar isto - tudo depende do 'mapinha'.
mas é bem furado, digo, viu!
Não li o texto todo, pra
Não li o texto todo, pra falar a verdade, não li foi nada! Só o título e mesmo assim discordo completamente. Ou melhor, tb li a frase "A democracia só pode vir de baixo para cima". Fala sério, já estamos em 2008, os países que ainda não são democráticos não têm mais jeito, tem que impor.
Tem que chegar m-o-e-n-d-o que nem no Iraque.
Basta ver o exemplo da África do Sul, hj em dia ela só é uma "áfrica boa" pq teve a mão de ferro da INGLATERRA que trouxe junto a religião e outras coisas boas praquele lugar.
Se a África do Sul tivesse ficado na mão do Nelson Mandela, das tribos e etc, hj em dia ela estaria que nem o resto da África: Mutuzuzu contra Maculêlê, flechada na bunda, canibalismo, aids no cu, AK47, dente de ouro e etc.
Outro bom exemplo é a Coréia do Sul, tem que impor a democracia, senão o mal toma conta. Tem que invadir logo a Coréia do Norte.
Com o Iraque vai ser a mesma coisa, quando as pessoas forem passar as férias por lá, ninguém vai criticar a invasão americana ou fazer filminho falando mal, assim como hj ninguém reclama da invasão inglesa na áfrica, vão ter até uma Copa do Mundo. O esquerdista é uma criatura que só pensa no presente.
Vamos moer essa desgraça na bala e botar o povo pra votar na base do tiro, não quer votar? Então vai pro buraco do tatu.
Se o que eu disse não tem nada a ver com o texto, o problema é do texto, que mudem e se adaptem a minha resposta.
Gostei mais desta
Gostei mais desta notícia:
George Carlin Morreu.
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Se eu copio um autor, é plágio. Se copio vários, é pesquisa.