Daytripper

Foto de Leão da Barra
Forums: 

 

Daytripper Cópia 194x300 Daytripper   Resenha

Por mais que a tal campanha do “sou brasileiro e não desisto nunca” tenha virado bordão, a verdade é que, por essas bandas, nós ainda sofremos muito com a “síndrome do vira-lata tupiniquim”: temos mania de não valorizar o que é nosso e de diminuir os feitos realizados por conterrâneos, não importando o quão grandiosos eles sejam.

Quem capturou bem esse vira-latismo foi o falecido cartunista Henfil, que durante a Copa de 70 publicou na Revista Placar uma tirinha na qual o protagonista cornetava impiedosamente aquela que até hoje é considerada uma das maiores seleções de todos os tempos.

Ao final da Copa, mesmo tendo o time canarinho se sagrado vencedor com sobras, o inconformado corneteiro ainda conseguiu arrumar uma forma de criticar e diminuir a conquista, recriminando o capitão do time no momento da premiação: “SEGURA ESSA TAÇA DIREITO, CARLOS ALBERTO MOLOIDE!”

94 torcedor Cópia 300x212 Daytripper   Resenha

 

“Ai meu Deus, eu clico aqui para ler sobre quadrinhos e você me vem com futebol?”, questiona o angustiado leitor. “Quem deu status de editor do Joio pra esse desinfeliz?”

Calma, tenha paciência que eu já chego lá.

Onde é que eu estava mesmo? Ah, sim, complexo de vira-lata.

É por essas e outras que hoje eu compreendo quando meu saudoso professor de História do ensino médio contava que a Orquestra de Berlim apontou Luiz Gonzaga como um gênio da música, ou que Frank Sinatra considerava Nelson Gonçalves a melhor voz do mundo – e ameaçava dar zero para os alunos que não acreditavam nele.

O que o meu mestre estava tentando fazer era, desde cedo, incutir na cabeça dos seus alunos um orgulho pelos feitos dos seus conterrâneos; mostrar que nós brasileiros podemos, sim, criar obras de arte respeitadas e prestigiadas internacionalmente.

Toda essa (extensa, eu sei) introdução foi só para mostrar o quanto eu lamento que dois GÊNIOS como Gabriel Bá e Fábio Moon, autores dessa obra-prima chamada Daytripper, não sejam muito conhecidos no Brasil – embora lá fora eles sejam respeitados e laureados, já tendo inclusive ganhado o prêmio Eisner duas vezes.

Isso mesmo: apesar de ter nome de música dos Beatles e de ter saído primeiro no exterior e só depois traduzida para o português, Daytripper é tão brasileira quanto um mico-leão dourado tocando pandeiro e tomando cachaça.

Notem que por “brasileira” eu não quero dizer apenas “escrita por brasileiros”. Daytripper se passa no Brasil, seus personagens são brasileiros e o nome do protagonista é uma clara referência a um dos mais clássicos personagens de Machado de Assis.

Mesmo assim, é uma obra que transcende as fronteiras tupiniquins e alcança leitores de todas as nacionalidades, ao tratar de temas universais como paternidade, relacionamentos, amor, amizade, família e sonhos.

Pelô Cópia 300x202 Daytripper   Resenha

 

Daytripper é sobre a morte — ou melhor, sobre as mortes de Brás de Oliva Domingos — mas por meio dessas mortes nós aprendemos mais sobre a vida e sobre o quão efêmera ela pode ser.

Em nosso primeiro contato com o protagonista, vemos um homem frustrado, vivendo à sombra do pai e preso em um trabalho que não lhe estimula nem realiza: ele sonha em ser escritor, mas é apenas o responsável pela coluna de obituários de um jornal na cidade de São Paulo.

A partir daí, passamos a acompanhar, de forma não linear, várias etapas de sua vida. Vemos Brás como pai, como filho, como amigo e como esposo, em capítulos que sempre terminam com a sua morte — mas nos dizem muito sobre aqueles pequenos instantes dos quais a vida se constitui.

morte Cópia Daytripper   Resenha

 

Sim, todos os capítulos terminam com a morte do protagonista, como um lembrete de que nossa presença neste mundo pode acabar a qualquer instante – até mesmo nos momentos mais importantes, como o nascimento do seu filho ou a realização de um sonho.

Através desses pequenos vislumbres, nós montamos aos poucos o quebra-cabeça da existência de Brás: vamos conhecendo-o melhor por meio das suas amizades, namoros, sonhos, casamento e do seu relacionamento com seu pai, sempre com desenhos magistrais da dupla Bá & Moon.

Daytripper nos leva a refletir sobre esses pequenos eventos; sobre as realizações nas nossas vidas e o que deixamos para trás quando o inevitável ocorre. É uma reflexão brilhante, uma obra literária carregada de emoção que entra facilmente para o rol do que de melhor a nona arte tem a oferecer — mas cujos autores infelizmente não têm o devido reconhecimento em sua terra natal.

Não é exagero. Essa espetacular graphic novel de Gabriel Bá e Fábio Moon nada deve a algumas das obras clássicas da literatura nacional e, ouso afirmar, merece ser colocada junto ao panteão dos grandes livros brasileiros de todos os tempos.

E eu dou zero para quem não acreditar em mim.

 

Foto de Terenzi

Vou ler só pra discordar de você. "(...) merece ser colocada junto ao panteão dos grandes livros brasileiros de todos os tempos." É um brincalhão....

Foto de Leão da Barra

É possível que haja um pequeno exagero nessa assertiva, com finalidades polemísticas. Mas a revista é boa mesmo.

Foto de Ray J

Já que estão falando de quadrinhos nacionais, leiam "Santô, o pai da aviação". Uma pequena obra prima do Spacca.

Foram anos pesquisando a vida do aviador.

Saudações
Ray Jackson

Foto de Leão da Barra

Valeu, vou procurar.

Também tenho que ver Dois Irmãos, dos mesmos autores de Daytripper.

Foto de matozo

Esses mesmos autores fizeram uma versão de O Alienista. Talvez daí tenha surgido a ideia da homenagem à Machado de Assis. Aliás, existe uma quantidade bacana de obras clássicas "transformadas" em quadrinhos.