Spin - Robert Charles Wilson
Animado por uma crítica bem positiva de Darwinia publicada pelo Omnilândia, resolvi ler Spin, do Robert Charles Wilson, ganhador do Hugo Award de melhor romance este ano. Não é um livro perfeito, mas é compulsivamente devorável: 450 páginas que voam a uma velocidade vertiginosa, de se virar as páginas sem ligar para o nascer do Sol, e pela perspectiva de um dia arruinado pelo sono.
A resenha do Publishers Weekly, que geralmente conta a história do livro inteira (não leiam), categoriza Spin como uma mistura de thriller de ficção científica, tenra história de amor, conflito entre pai e filho, parábola ecológica e fábula apocalíptica. É basicamente isso, mas eu acrescentaria um elemento de thriller político, ainda que discreto. Se for partir para as categorias típicas de ficção científica, é mais ou menos uma história de primeiro contato, e tematicamente uma exploração da insignificância do ser humano diante da magnitude do universo. Trivial, em se tratando de ficção científica. Mas funciona tão bem, e tem umas idéias tão interessantes, que é difícil não se sentir engolido pelo livro.
A estrutura é organizada em torno de uma dicotomia microcosmo/macrocosmo, com o microcosmo sendo um drama familiar envolvendo três personagens, e o macrocosmo constituindo, efetivamente, o núcleo de ficção científica da história. Wilson vai arremessando o leitor de um para o outro, buscando uma síntese que, suspeita-se de início, não vai ocorrer. Mas ocorre. O final poderia não ter vindo e tudo poderia ter ficado sem explicação. Ao final, entretanto, apesar de não se saber com muitos detalhes de algumas particularidades dos eventos ocorridos, sabe-se perfeitamente o aconteceu. O que irá acontecer, e o significado mais profundo de tudo (com o macrocosmo se transformando em um possível microcosmo), já fogem ao alcance do livro. Não importa, não é o propósito de Wilson. Pode-se dizer que o livro seja um grande set-up, um trabalho muito bem-feito de world-building para fundamentar outras obras. No fundo é isso mesmo, já que Axis, próximo livro de Wilson, será situado no mesmo universo (talvez seja necessário escrever universo em maiúsculas, UNIVERSO). Mas é um livro que se sustenta sozinho, e que não exige futuros desenvolvimentos. O estrago já está feito, no bom sentido.
A idéia inicial é a seguinte: a Terra foi envolta por uma barreira, que bloqueia a luz das estrelas e da lua, subitamente desaparecidas certa noite de outubro, no futuro próximo. Não exatamente uma barreira, descobre-se eventualmente de que se trata de uma membrana, bastante seletiva quanto ao que pode entrar e sair da Terra. Meteoritos não entram, mas foguetes podem sair e entrar. O Sol continua nascendo e se pondo, mas não é exatamente o Sol. É luz solar manipulada, de modo a constituir um Sol artificial. A vida continua na Terra, mas não como antes: dentro da membrana, o tempo passa muito mais vagarosamente do que fora. No interior do fenômeno que passa a ser chamado de “Spin”, cada segundo equivale a 3.17 anos no exterior. Um dia chegará em que a expansão do Sol atingirá a Terra, e não haverá membrana que impedirá que os oceanos evaporem e que a humanidade seja aniquilada.
Essa é uma das últimas gerações na Terra. Tudo vai terminar em mais ou menos 30 e poucos anos. Diante do quadro de extinção inevitável, alguns abraçam o niilismo, outros se ancoram em cultos que fazem reinterpretações religiosas do Spin, ou simplesmente entram em um estado de torpor. Os três personagens principais do livro, Tyler Dupree e os gêmeos Jason e Diane Lawton, testemunham a cobertura da Terra pelo Spin no início da adolescência, e dedicam suas vidas, daquele momento em diante, ao fenômeno.
Jason, criança prodígio sufocada pelo pai dominador, cresce e passa a comandar o projeto Perihelion, iniciativa americana de investigação do Spin. Diane se envolve com um culto cristão e se abandona ao fanatismo religioso. Tyler vira médico, uma profissão talvez inútil diante do fim que se aproxima, e conta a história em primeira pessoa.
Tudo revolve em torno da tentativa desesperada do Perihelion em terraformar Marte, colocando o planeta em um estado de ecopoiese. Resumindo, o objetivo é criar uma civilização em Marte, de descendência humana. Como os anos se passam muito mais rapidamente fora do Spin, anos terrestres equivalendo a bilhões de anos no espaço, é possível construir uma civilização milenar como se brincando de SimLife. A esperança é a de que os futuros marcianos possam contribuir para compreensão do que o Spin significa, e talvez à salvação da humanidade.
Diversas teorias são traçadas. Algumas pessoas dizem que o Spin é obra de Deus. Outras preferem apostar em uma inteligência alienígena, os Hypotheticals, aliens hipotéticos cujas intenções podem ou não ser benevolentes. O drama de Jason Lawton é saber o que significa tudo isso antes de morrer. Nada pior, para ele, do que morrer sem saber o que houve.
Diane, por outro lado, talvez acredite ou não na doutrina de um dos vários cultos pelos quais acaba passando. Mas seja como for, distancia-se de Tyler, em relação ao qual nutre um amor secreto plenamente correspondido, mas por motivos não muito simples, difícil de ser concretizado. Tyler mantém laços com Jason e se envolve no Perihelion, mas sempre perturbado com a ausência de Diane, a quem revê apenas em alguns momentos decisivos.
Jogando com esses três personagens, Tyler narrando a história em dois planos temporais, Wilson constrói um drama delicado, que é tão significativo e interessante quanto a ficção científica hard que o acompanha. Afinal, há um grande evento misterioso, inúmeras possibilidades que desafiam as expectativas da humanidade enquanto ser biológico pensante, mas a vida continua, mesmo com a perspectiva de um fim que concretamente se aproxima. A questão é a de acomodar o cenário apocalíptico com cosmovisões pessoais, e tocar a coisa para a frente ou terminar com tudo de alguma maneira.
No final de 450 páginas, tanta coisa aconteceu, e tanta coisa mudou, em escala tão espantosa, que o drama dessas três personagens poderia parecer irrelevante. Mas não é, e tudo o que aconteceu, tudo o que mudou, deixa várias respostas quanto à extensão do universo e as possibilidades de vida em outros cantos menos explorados do espaço, mas nada em concreto quanto ao significado da vida, se é que ela tem algum significado. Por mais que conheçamos, e por mais que nossas possibilidades se ampliem, o mistério continua o mesmo, e a frustração talvez seja maior. No final, os personagens se vêem tocados por uma mistura de deslumbramento e dor, e o leitor agradece a viagem, meio chateado de saber até menos, se sentindo mais insignificante ainda.
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Leia os primeiros oito capítulos do livro aqui.
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É bom mesmo, mas não tão
É bom mesmo, mas não tão bom assim, como eu disse não é perfeito. Mas é legal pacas.