Feed: espetacularmente ruim!

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Eu estou quase sem palavras diante dessa preciosidade do cinema trash. Trash autêntico, do tipo de filme que quer ser levado a sério mas é absurdamente ruim de tão medonho. No caso de Feed, o intuito é ser um thriller de serial killer chocante, malvadão e cruel, tipo Seven. Mas não dá certo, porque é uma das coisas mais ridículas já filmadas, sem qualquer exagero. Uma mistura de Seven com...Hamburger, o Filme e toques de Feardotcom, 8mm e Demonlover.

Imaginem um filme de serial killer padrão, totalmente clichê, mas cujo serial killer é o dono de um site snuff por meio do qual pessoas apostam na vida de gordas que são alimentadas à força até morrerem. Não estou brincando. Aliás, o filme também não está. Logo no início há uma advertência de que o que veremos envolverá um fetiche real, de pessoas reais. E o fetiche existe. Há toda uma subcultura no mundo do BDSM que revolve em torno de feeders e gainers. Os feeders alimentam os gainers (de "to gain weight"), que têm metas a atingir (tipo 200 quilos, por exemplo). Os feeders são dominadores, os gainers são submissos. Bizarro, mas cada um com seu fetiche.

O vilão do filme, entretanto, propositadamente mata suas gainers de tanta comida! E cada gorda que morre tem sua gordura derretida e...alimentada às gordas seguintes via um funil enfiado na boca da vítima! Tudo isso é filmado e transmitido para uma clientela seleta, em um site chamado Feeder X. Os responsáveis por Feed registraram o site do assassino como o site do próprio filme, e você pode acessá-lo aqui (há conteúdo pornográfio...o que é uma coisa interessante, acho que é o primeiro filme mainstream que tem um site pornô como site publicitário). O herói é um policial australiano, que atua como cyber-investigador de sites pornográficos. Mas ele também age no campo: logo no início do filme o encontramos na Alemanha, em uma dramatização do caso Armin Meiwes, com direito a pênis fritando em frigideira e a vítima do canibal gritando "O corpo é MEU e eu QUERO ser comiiiidoooooo!". E sim, supostamente é uma cena séria, para chocar. E sim, é obviamente hilária.

O policial, traumatizado com o que vê na Alemanha depois de 6 meses à caça do canibal, volta à Austrália. Sua vida privada é virada de pernas para o ar. Ele não entende mais sua namorada ninfomaníaca (tem uns momentos meio Joe Eszterhas esse filme), e fica cada vez mais violento na cama. Ao mesmo tempo, é pego chorando no banheiro da delegacia e passa o maior vexame. Eis que, batendo papo em um canal IRC (via mIRC, por falar nisso), ele descobre que talvez as gordas de um site de gordas estejam sendo assassinadas, e hackeando feito um doido, ele descobre o endereço do site. Mas a segurança é tão cerrada que é impossível encontrar qualquer brecha. Nem um grande hacker como o cyber-investigador australiano consegue invadir. Mas ele sabe que há algo de errado ali!

Há um problema, contudo: o chefe do policial. Como em todo filme do gênero, há um certo atrito, uma certa disputa de egos, uma certa rivalidade, e o chefe ainda por cima acha que o herói não está em condições de trabalho. Afinal, ele estava chorando no banheiro agora há pouco, e de uma hora para a outra quer investigar um site de gordas na Internet. É crime alimentar alguém?, pensa o chefe? O que fazer com esse lunático? A célebre frase "You're OFF this case!" não é pronunciada, mas o chefe manda o cyber-investigador esfriar a cuca e tirar umas férias. Não importa. O protagonista, que por sinal é uma versão pit-boy do Sean Bean, com toques de Harvey Keitel, passa a investigar por conta própria, com a ajuda de um colega de departamento. Depois de vários truques de racko ultra-l33t, ele descobre que o dono do site é americano. E viaja para os EUA, na busca de respostas para uma tormentosa questão: as gordas estão ou não estão sendo assassinadas para satisfazer a lascívia sado-assassina de uma clientela de voyeurs internéticos psicóticos?

Enquanto tudo isso acontece, também conhecemos o vilão da história, um jovem muito perturbado. Conhecemos, igualmente, sua vítima atual: a bastante obesa Dierdre, que acha que está numa relação sadomasô gourmet inocente e não sabe que está a caminho do abatedouro. O serial killer tem, vejam bem, um grande trauma de infância. Quando ele era pequeno, a mãe dele era tão gorda que não conseguia levantar-se da cama (caso da Dierdre, diga-se de passagem). Forçado a alimentá-la, ele desenvolve instintos assassinos e acaba matando a mãe, aparando a gordura dela com uma faca até ela ficar magra. Uma das cenas mais tocantes do filme insere imagens do jogo Pac Man em um flashback do serial killer, fazendo uma referência super sutil e inteligente de cultura pop, num paralelo de grande densidade psicológica.

Pois bem, chega o policial australiano aos EUA. E o filme fica ainda mais ridículo. Sabendo do nome do serial killer, o policial consegue desenterrar alguns detalhes do passado dele, e descobre sua atual moradia. Mas o serial killer tem um grande álibi: ele é casado com uma MAGRA! Sim, com uma magra! Mas não seja por isso, o policial está obstinado e consegue um confronto final com o serial killer na casa de fazenda do assassino, local onde ele mata suas vítimas e dá um trato na gordura delas para aproveitamento posterior. Não vou contar o final, mas garanto que não irá desapontar a ninguém. E olha que eu nem entrei em detalhes...deixei de descrever momentos geniais que ocorrem no meio do filme, como o monólogo do serial killer contra o padrão de beleza atual, seguido pela aplicação forçada de uma injeção de banha humana na barriga do policial.

É difícil acreditar, mas o filme se leva a sério. Ele realmente quer ser um filme de serial killer perturbador e, quiçá, profundo. Exatamente por este motivo, é uma coisa formidável de tão espetacular. Quem é o diretor que conseguiu a façanha de fazer um filme sobre um site snuff de gordas masoquistas? Brett Leonard, responsável por clássicos como The Lawnmower Man, Hideaway e Virtuosity. Atualmente, Brett trabalha no filme que provavelmente será sua obra-prima, o aguardadíssimo Highlander: the Source.

Mas não quero saber de guerreiro imortal escocês: espero francamente que Brett continue fazendo filmes sobre fetiches obscuros, e faça um filme de horror sobre furries. Não vai precisar se esforçar muito.