Charles Manson cospe para o mundo seu rock carcerário

10/04/2008
Charles Manson cospe para o mundo seu rock carcerário
O assassino da atriz Sharon Tate em 1969, quando estava no oitavo mês de gravidez, lança na Internet seu segundo disco

Jordi Soler
Em Barcelona

Em 1967, aos 33 anos, Charles Manson saiu da prisão com o projeto de se transformar em músico de rock, concretamente no quinto Beatle. Aquela temporada na prisão era a última de uma longa série que havia começado quando tinha 9 anos de idade e foi condenado a três por roubo à mão armada. Seu ingresso seguinte na prisão, em 1969, já foi como o assassino mais famoso de sua época, como o líder espiritual da The Family, uma seita de perturbados que irromperam no cenário mundial na noite em que assassinaram a atriz Sharon Tate, que era mulher do diretor de cinema Roman Polanski e estava no oitavo mês de gravidez.

A cena do crime no salão da casa que ficava no número 10050 da Cielo Drive em Los Angeles, pegou diretamente na obra dos Beatles e no coração de seus fãs: como ponto final daquele crime horrendo, os enviados de Manson escreveram na parede as palavras "Helter Skelter" com o sangue derramado de sua vítima. Durante aquela temporada na prisão, a penúltima que terminou em 1967, Manson cultivou três obsessões que seriam a base teórica de seu clímax criminoso: a cientologia, o budismo e a obra dos Beatles (afirma até hoje sem sombra de autocrítica que, se tivesse tido a oportunidade, teria sido muito melhor que os quatro de Liverpool).

"Sei que não poderei me adaptar ao mundo depois de passar toda a minha vida encerrado em uma cela onde minha mente pode viajar com liberdade. Estou bem aqui dentro, fazendo minhas caminhadas no jardim e tocando minha guitarra", disse Manson ao diretor da prisão quando saiu pela última vez.

A primeira coisa que fez então foi pegar um ônibus para San Francisco e ali, escondido atrás de sua guitarra eternamente desafinada, integrou-se a uma comunidade e em poucos dias, à força de canções e discursos cientológicos salpicados de budismo e auto-ajuda, se transformou no líder de um bando de hippies desastrosos que escutavam com devoção seu discurso messiânico e aceitavam, cegos de fé, as doses de LSD que Manson, com o objetivo de reforçar seu messianismo, distribuía entre a tribo.

Meses depois Manson já tinha formado sua própria comunidade e conseguido um ônibus no qual viajavam todos pela Califórnia, com uma economia baseada no assalto e no trambique, dando vôo a uma altíssima espiritualidade de túnicas longas e olhos em branco, com suas duas inspirações: o ácido lisérgico e as canções de seu guru.

Naquela tribo errante nasceu The Family, a banda que cortaria a vida e a descendência de Sharon Tate na noite de 9 de agosto de 1969. Desde então Charles Manson cumpre uma pena de prisão perpétua na penitenciária estadual de Corcoran, Califórnia. É o preso que recebe mais correspondência nos EUA, tem uma página na Web e uma inconcebível legião de fãs, e bandas como Guns & Roses flertaram com a idéia de interpretar suas canções com tanta convicção que uma delas, "Look at your game girl", aparece em uma faixa oculta no álbum The Spaghetti Incident, lançado em 1993. A partir de então, não se sabe se por acaso ou por justiça divina, a Guns & Roses entrou em uma decadência da qual até hoje não conseguiu sair.

A ambição de ser músico continua capital para Manson; há alguns dias, seguindo o exemplo do Radiohead, dessa mesma cela que ocupa há 40 anos e aos 74 de idade, publicou sua nova obra na Internet: One Mind, uma coleção de 16 faixas musicadas com sua guitarra desafinada. O básico dessa produção pode ser baixado de graça no Limewire; há uma versão crua e a versão politicamente correta, e o CD, que vem pintado pelo mesmo (outro talento de que também não se priva), é vendido em Familyjams.com.

No disco, segundo Manson, há "canções, rap, conversas e transpoesia", mas na realidade o resultado é um emaranhado que fica entre a auto-ajuda, a reflexão cientológica e o total absurdo. A canção "Angel's fear" (Medo de anjo) começa assim: "Esta é uma canção sobre algo em que ainda não pensei". Se você sentir o impulso de comprar essa obra, pare um momento e pense no horrível assassinato de Sharon Tate; depois faça o que sua consciência ditar.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2008/04/10/ult581u2537.jhtm