A Nostalgia Era Melhor Antigamente: O Que Aconteceria Se Conan Ficasse Preso no Século XX
Mais um texto daqueles que eu faço analisando histórias em quadrinhos antigas (viu, Terenzi? Eu ainda escrevo, não fico só despejando texto velho aqui não).
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Seja bem vindo à coluna A Nostalgia era Melhor Antigamente, na qual eu covardemente analiso histórias escritas em outro contexto e aponto incongruências inaceitáveis em gibis sobre bárbaros pré-históricos que viajam no tempo.
No episódio de hoje, conheceremos o bizarro sistema judiciário do universo Marvel, acompanharemos a impressionante facilidade de um guerreiro cimério com idiomas e veremos a total falta de critérios para ingresso de novos membros nos Vingadores.
O Que Aconteceria se Conan Ficasse Preso no Século Vinte
Argumento: Peter B. Gillis
Arte: Bob Hall
Publicado no Brasil em Capitão América 130, Editora Abril
A história de hoje faz parte da conhecida série da Marvel intitulada O Que Aconteceria Se, que mostra linhas do tempo alternativas à real, ou tão real quanto pode ser uma linha do tempo na qual pessoas voam, ruivas representam uns 75% da população e usar cueca por cima da calça é algo socialmente aceitável.
Nesse caso específico parece que alguém estava sem ideias ou com prazo meio apertado para entregar uma história, porque se trata de um O Que Aconteceria Se em cima de outro O Que Aconteceria Se, num grande inception da preguiça de pensar em novos roteiros.
Vamos lá: na linha do tempo real (ou tão real quanto pode ser uma linha do tempo na qual atirar flechas é uma habilidade tida como suficiente para enfrentar monstros espaciais), o bárbaro cimério Conan foi lançado em um poço no centro do tempo pelo mago Shamash-Shun-Ukin, mas conseguiu escapar.
Partindo dessa premissa, foi feita uma história alternativa imaginando (adivinhem só) o que aconteceria se Conan não tivesse conseguido escapar, fosse enviado ao século XX em um vórtice temporal, atacasse um táxi com uma espada, beijasse uma motorista de táxi com nome de sobremesa da Danone e acabasse sendo enviado de volta para o passado porque foi atingido pelo que presumo ser o mesmo relâmpago do fim de De Volta Para o Futuro.
Mas aí algum editor ou roteirista devia estar sem ideias e com muitos boletos para pagar, então resolveu ordenhar um pouco mais essa vaca, contando o que aconteceria se o bárbaro não fosse atingido pelo tal relâmpago e permanecesse preso no século XX.
Pois bem, pelo crime de não ser atingido pelo raio, Conan acaba sendo detido pela polícia de Nova Iorque, e por algum motivo o Vigia que narra a história acha estranhíssimo o fato de nosso herói não gostar de estar preso.
Após um extenso julgamento com direito à ampla defesa por advogado constituído e laudos de peritos psiquiátricos forenses, Conan é declarado inimputável e…
Hahaha, claro que não. O bárbaro cimério não tem advogado e nem sequer pode se manifestar, porque ninguém entende sua língua. O promotor simplesmente afirma que ele é louco porque usa tanguinha de texugo, portava uma espada e tem a força “de uma pessoa num ataque de histeria” — isso num mundo que alguém pode ter superforça porque foi picado por uma aranha, porque tomou um soro nos anos quarenta ou porque simplesmente nasceu assim.
Insatisfeito com o resultado do julgamento e talvez numa crítica velada à parcialidade dos tribunais, Conan decide não esperar pelo recurso e fugir ali mesmo, escalando as paredes e arrancando as grades de presídio que por algum motivo protegem as janelas do fórum de Nova Iorque.
Diante dessa fuga cinematográfica, o juiz reclama com o promotor por ele ter trazido um supervilão à corte, o que nos permite concluir duas coisas: primeiro, a tal tese do ataque de histeria tinha colado mesmo, até então ninguém havia sequer cogitado superforça num mundo onde qualquer zé mané tem poderes. Segundo, parece que no universo Marvel existem varas especializadas em supervilões e o juiz leva a sério essa distribuição de atribuições.
Ferido, foragido e perdido em uma era que não compreende, o bárbaro da era hiboriana faz então o que qualquer um faria em seu lugar: vai para o bairro das hã… casas de tolerância novaiorquinas.
Tentando compreender melhor o mundo à sua volta, nosso herói observa um morador de rua pedindo esmola a um cidadão que, preocupado com a circulação monetária e fomento à economia local, sugere ao pedinte que não use toda a doação em um único estabelecimento.
Como prestar atenção na conversa dos outros parece ser mais eficaz que fazer CCAA, Conan consegue reproduzir com pronúncia invejável o pedido de esmola a um sujeito que talvez padeça de algum tipo de daltonismo, pois confunde o bárbaro com o Hulk e lhe entrega todo o seu dinheiro.
Em poucos dias Conan aprende inglês, humilhando esses cursinhos que prometem fluência em seis meses, e decide procurar a motorista de táxi que beijara n’O Que Aconteceria Ser anterior (não se perca). Por alguma razão ele tem o endereço dela, embora tenha conhecido-a por apenas alguns instantes numa época em que um não entendia sequer uma palavra do que o outro dizia.
Na tentativa de impressioná-la, Conan faz o básico: aparece em sua porta usando colar, terno branco e um chapéu de muito bom gosto, além, é claro, de uma onça de estimação, afinal, por que não?
Imagino que a convenção de condomínio do prédio de Danette não aceite felinos de noventa quilos, porque ela rejeita os galanteios do doce bárbaro romântico e lhe põe pra fora do apartamento.
Assim, sem sorte no amor, Conan resolve entrar de vez no jogo do crime e montar sua própria gangue, mas opta por fazer isso da maneira mais escrota e racista possível: partindo do pressuposto que negro é tudo ladrão, ele procura a comunidade afro americana para integrar o seu grupo de criminosos, convidando um sujeito de nome Ajujo para ser seu segundo em comando.
Ajujo inicialmente rejeita o convite, pois não aceita ser comandado por um branco, mas logo muda de ideia porque Conan argumenta bem, esclarece que não é caucasiano mas sim cimério e demonstra ser um líder nato.
Não, claro que não. O roteiro é racista, lembra? Todo o orgulho de Ajujo desaparece porque Conan o arremessa contra o banco de supino e isso é o bastante para convencer ele e toda a comunidade negra a não apenas entrar para o mundo do crime, mas também a fazer isso usando capacete de chifre e sunguinha peluda.
A partir daí, Conan torna-se o líder branco do grupo de negros (nenhum subtexto escroto aqui, né?) autointitulado “os bárbaros”, passando a viver de assaltos e extorsão de comerciantes locais.
Eventualmente o Cimério se cansa dessa vida de pequenos crimes e decide fazer algo grandioso: assaltar o museu de arte metropolitano — que por acaso está tendo uma exposição da era em que Conan viveu, porque no universo Marvel você não consegue ir numa padaria sem tropeçar numa coincidência, e o padeiro provavelmente ainda vai se chamar Tiago Trigo com Fermento da Silva.
Mas a exposição hiboriana não é a única acontecendo no museu naquele dia, pois Ajujo explica a Conan que algumas daquelas peças são do Egito, o berço da civilização moderna. Conan desdenha dessa demonstração de orgulho pelo país africano, pois ele é mais velho que algumas das obras expostas — como o cimério efetivamente sabe ser mais velho do que algo que só surgiu muito depois do seu tempo permanece um mistério, no entanto.
O assalto acaba disparando um alarme na mansão dos Vingadores — você sabe, o grupo de heróis que geralmente lida com ameaças intergaláticas, semideuses e invasões alienígenas, mas que por alguma razão monitora o que ocorre no museu metropolitano — interrompendo a hora do cafezinho do Capitão América.
Rapidamente o Vingador chega ao local — rapidamente mesmo, porque no tempo que ele percorreu três quarteirões os bárbaros mal conseguiram chegar na porta do museu — e confronta os assaltantes.
Na luta que se segue (pois é absolutamente impossível dois personagens de história em quadrinhos se encontrarem sem que role porrada), Conan leva a melhor e fere o braço do Capitão de forma tão grave que o Vingador perde qualquer condição de continuar o embate.
Por ter a vida poupada mesmo depois de incapacitado, o Vingador se convence que Conan tem no fundo uma certa nobreza. No entanto, essa nobreza não dura muito tempo, porque logo em seguida e sem lhe dar tempo para sarar o braço, o bárbaro desafia o Capitão América para um combate homem a homem na Ceilândia, em frente ao lote 14, é pra lá que eu vou.
O duelo que deveria ser apenas entre dois homens acaba dando mais gente que a corda do Chiclete, eis que do nada surgem não apenas os membros da gangue de Conan, mas também boa parte da força policial novaiorquina.
Depois da sangrenta luta que inclusive toma a vida de Ajujo, o Capitão, demonstrando uma completa e absoluta falta de noção, decide convidar para integrar os Vingadores o bárbaro que quase lhe aleijou e cometeu uma longa lista de crimes por toda a cidade.
Conan recusa, mas a história deixa no ar que talvez em uma outra situação ele poderia ter aceitado… mas aí teria que ser em uma linha do tempo diferente dessa — isso é, uma linha do tempo tão absurda que os heróis “mais poderosos da terra” não têm tanto critério para recrutamento e, sei lá, aceitam em suas fileiras não um, mas dois membros com o impressionante poder de… encolher de tamanho.
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Comentários
Hehehehe estas colunas são
Hehehehe estas colunas são tão boas que me dão vontade de ler a historinha original. O Conan cafetão é impagável