Aconteceu um treco comigo
Fui numa festinha de "rock pra bicho grilo" aqui de Brasília, cheio de gente exogótica e "descoladões" quando, de repente, chegou um velho atrás de mim (usando um daqueles caps de couro estilo "bichona velha") me deu um cutucão nas costas (que mais parecia uma bicada de pica-pau goiano) e disse: "hey... Rapazinhuuu... É COM você mesmo QUE to falando, presta atenção: RESPEITE O PUNK ROQUE. Ok? Punk Roque é cultura, é vida. Tenha mais respeito com o punk roquih (sic)".
Eu não tava fazendo nada, então olhei mal encarado pro velho e retruquei: "Que? To fazendo alguma coisa? Tu me conhece? Sai pra lá, hippie de merda, ta me achando com cara de paulista? Vai arrumar outra pica pra chupar".
Mas o velho tava alucinado, desorientado, nem se intimidou e ainda aumentou o tom de voz: "RESPEITE O PUNQUÈ ROQUÈ! ISSO É CULTURA, É ARTI, CONHECI 'PAULIN' RAMONES EM IDOS DOS ANOS 70! FUI COM ELE VER UM SHOW NUMA BOATI EM MOEMA e DEPOIS ELE VISITOU MINHA FAZENDA EM Jaboticabal..."
Pois bem, tenho que confessar que sou mais macho durante o dia, eu não sabia se o velho tava drogado, noiado ou doido (pela velocidaed que o bicho falava, tinha cara de esquizofrenia não medicada), então fiquei na minha, não quis usar meu krav maga pq tinha muita gente em volta (não queria machucar ninguém). Sem falar que toda vez que alguém muito velho ou frangote chega perto falando grosso, cheio das coragens, toma cuidado, pois se o cara não for doido, pode estar armado (nesse dia eu tb tava sem a minha glock 20cm, então fiquei no modo defensivo).
Dentre as opções letais e não letais que eu tinha a disposição, refleti comigo mesmo, pensei nessa onda de violência que o mundo vem passando, mentalizei Gandhi, lembrei da missão de Madre Teresa de Calcutá, das palavras de perdão do Papa Francisco e até dos movimentos pacíficos ateístas, respirei fundo, virei pro velho, olhei no fundo de seus olhos (que estavam completamente chorosos e perdidos) e falei: "Bicho... ME ESCUTA... PARA DE SE MEXER E ME ESCUTA! Ta me ouvindo? Então olha aqui: O PUNK ROQUI nunca, MAS NUNCA, NUUUUNNNN-UUUUUNNN-QUIIIIIIINHAAAA MORRERÁ!" (e meti-lhe o abraço). Todos em volta aplaudiram.
Foi tudo muito bonito, em outras épocas eu teria partido pra agressão, mas resolvi terminar essa treta de um modo poético. Eu me emocionei de verdade, se o plague estivesse lá, com certeza teria chorado, foi mais emocionante que show surpresa do Velvet Underground. Foi um verdadeiro encontro de tribos, estilos e gerações. Me senti no circuito barra-ondinha, no camarote 2222 de Pai Gilberto, escutando um popero-acarajé (ou um sururú-bateestaca), comendo sanduíche de bode com presunto de parma e sarapatel vegan. A partir desse dia passei a respeitar os mais velhotes e a entender a alma do fanboy, pois dentro de uma carapaça triste, medonha e enrugada, pode existir uma pessoa de bem, que ainda guarda dentro de si um coração de estudante.
Dia seguinte acordei com isso na cabeça, o legado que me foi deixado pelo veio doidão nunca será esquecido. E, caso um dia eu o encontre novamente, seja nessa ou em outra dimensão, quero olhá-lo nos olhos e falar do fundo da minha alma: "amigo, se lembra de mim? Pois bem, saiba que o punk rock venceu".
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