Fallout 3

Que alívio: mais um RPG não-medieval. Nada contra RPGs com ambientação medieval, mas convenhamos: 99% dos RPGs acabam ficando exatamente iguais (descontadas as mecânicas de jogo que lhes são peculiares). Ao invés de buscar inspiração no rico universo dos RPGs de mesa, que já se emanciparam da Idade Média desde os anos 80 e hoje em dia têm ambientações o mais possivelmente variadas, os RPGs digitais ainda sofrem dessa doença que é a falta de imaginação. É tudo Idade Média.

O universo Fallout seria lugar-comum se fosse considerado em comparação aos mundos criados para RPGs de mesa, mas no meio de uma avalanche medieval, o apocalipse nuclear retrô parece a coisa mais inovadora do universo, mesmo sendo 100% composto de clichês reciclados. Contribuindo um pouco (sem querer) para a briguinha RPGs ocidentais versus RPGs orientais, talvez seja essa a diferença mais marcante dos RPGs ocidentais no momento: de vez em quando aparece um que não é medieval.

Eu já me manifestei contra essa rixa no thread sobre Fable 2, mas acho que esse é um dos únicos pontos em que ela é relevante. De resto, as diferenças ficam em torno de mecânica de jogo. E daí é uma questão de gosto mesmo, não da tão alardeada falta de criatividade dos orientais, ostentada como bandeira de superioridade do design ocidental nos últimos tempos. Pura hybris. Em termos de mecânica de jogo, há coisas muito interessantes vindo do Japão, e em termos de narrativa idem. Lost Odyssey é um bom exemplo recente, pelo pouco que eu pude notar. A série Rune Factory e Folklore idem, apesar de não serem RPGs propriamente ditos.

Voltando a Fallout 3: resumindo, é um Oblivion pós-apocalíptico. Dei uma jogada em Oblivion recentemente (comprei a Game of the Year Edition), e só depois mergulhei em Fallout. E é praticamente o mesmo jogo. Há algumas diferenças drásticas, mas em essência é a mesma coisa. Não há um nivelamento automático de seus inimigos com o seu personagem como em Oblivion, e há concessões a legados do universo Fallout, como o Pip-Boy. Mas é indiscutível que no fundo o jogo é um Oblivion com uma skin diferente. Sabendo disso, conforme você menos gostar de Oblivion, maior a possibilidade de você detestar Fallout 3.

O universo é grande, e premia exploração. Há side quests épicas que podem ser mais interessantes que a storyline principal (que, até agora - eu estou quase chegando na metade - é pouquíssimo criativa), muitos itens a serem colecionados, há a liberdade de transformar seu personagem em um calhorda ou santo (como em quase qualquer RPG ocidental, e de maneira tão maniqueísta quanto), existe um bom número de soluções para o mesmo problema, e os diálogos são razoavelmente bem escritos. O gameplay, entretanto, é pouquíssimo diversificado. É uma brincadeira de "Vamos explorar a masmorra!" repetida sucessivas vezes, sendo que as masmorras aqui são estações de metrô e alguns prédios abandonados. São poucos os inimigos que você encontra pela frente (estou cansado de ver baratas radioativas, ghouls e supermutantes), e as quests principais se resumem a fazer servicinhos para NPCs em busca de informações sobre o paradeiro de seu pai, que fugiu da segurança de um abrigo atômico deixando você para trás. A historinha, em geral, tenta ser uma alegoria da situação atual dos EUA pós-Bush, com um país destroçado esperançoso por mudanças. Só faltou um personagem gritando "Yes we can!", mas você ganha de presente o Three Dog, radialista que movimenta a galera a lutar pela "Good Fight". Nada de novo aqui, portanto.

Ao que tudo indica, mais perto do final do jogo as quests principais se transformam em grandes set pieces, o que para mim seria excelente. Até agora é só blablablá, consiga o item X, explore a área Y, e volte aqui para receber mais uma informação sobre o paradeiro do seu pai. Repita ao chegar no novo ponto do mapa.

Mas vamos às notícias que de fato são más: há vários bugs horríveis no jogo. Já fiquei preso entre escombros na tela, sem poder me mover para qualquer direção, por duas vezes. A única alternativa? Load de um jogo anterior. Também fiquei preso na tela do V.A.T.S., o sistema de combate por turnos que coexiste com um combate em tempo real que é uma grande fria (o jogo te incentiva a usar o V.A.T.S., já que os benefícios são muito maiores em termos de economia de munição e HP). O botão B, que é utilizado para sair da tela, simplesmente não funcionava. Solução? Load! E por fim, Megaton, a primeira cidade do jogo, foi desenhada com plataformas altíssimas, das quais você morre se cair. Tudo bem em relação a você, já que o controle está em suas mãos. Mas os NPCs têm caminhos pré-estabelecidos que, digamos, foram planejados com pouquíssima inteligência. A impressão que dá é que não houve um playtesting minimamente competente. Walter, o chefe da planta de purificação de água de Megaton, morreu no meu jogo. Ele caiu de uma plataforma e se estatelou no chão. E eu fiquei sem recompensa para uma quest. Isso pode ocorrer com outros habitantes de Megaton, então boa sorte! Se você está jogando no PC, todos esses bugs são contornáveis chamando-se o console. Se você está jogando no 360 ou no PS3, a única solução é esperar um patch ou ficar recarregando jogos antigos. Valeu, Bethesda!

Não é o jogo do ano (Metal Gear Solid 4 ainda tem a honra, disparado na frente), mas há material o suficiente aqui para entreter qualquer fã de RPGs por um bom tempo, e se você não se deixar levar pelo hype não ficará decepcionado. Relevando os bugs, nota 7,5.