BitTorrent faz nova parceria com Hollywood...mas as coisas não parecem muito animadoras, apesar do clima de alegria da indústria

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Forums: 

Ainda não entendi muito bem qual vai ser o modelo de negócios da BitTorrent, mas os contratos são de peso:

[quote]BitTorrent, Inc., home to the world’s leading peer-assisted digital content delivery platform, today announced a slate of partnerships with a wide variety of leading film and television companies. 20th Century Fox, G4, Kadokawa Pictures USA, Lionsgate, MTV Networks (including COMEDY CENTRAL, Logo, MTV: Music Television, MTV2, Nickelodeon, Nicktoons Network, SpikeTV, The N, TV Land and VH1), Palm Pictures, Paramount Pictures and Starz Media will publish movies and TV shows on BitTorrent.com.

Fonte[/quote]

O acordo anterior foi com a Warner. Resta saber agora se:

a) Os arquivos terão DRM?;

b) Os consumidores serão recompensados por compartilhar hardware e banda?

A resposta à primeira pergunta parece ser sim, pelo menos na modalidade de "aluguel" anunciada. A resposta à segunda pergunta deve ser a mesma, se a BitTorrent espera conseguir vender alguma coisa. Afinal, por que transferir aos consumidores o ônus de ajudar no armazenamento e transferência de arquivos, se não for oferecida nenhuma contrapartida?

Em relação ao DRM, outras perguntas são pertinentes, a principal delas sendo a questão da compatibilidade com itens de hardware. Vide o absurdo da proposta da Microsoft, que abandonou o sistema PlaysForSure assim que o Zune entrou no mercado, e está levando cacetada atrás de cacetada na imprensa.

Na minha opinião, vai ser preciso muito esforço para a BitTorrent conseguir alcançar o sucesso da loja iTunes. Não há nenhuma vinculação óbvia com qualquer aparelho eletrônico da moda, e não haverá qualquer vantagem para o usuário de trackers privados que já baixa de tudo sem pagar, com acesso a repertórios mais ricos e diversificados. Talvez eles consigam atrair uma quantidade razoável de consumidores agregando aos produtos digitais o rótulo de "legais". É o único valor que a indústria do conteúdo consegue transferir para esses produtos violentamente mutilados por DRM que eles estão tentando vender. Alguns consumidores estão dispostos a pagar o preço, em razão da campanha terrorista anti-compartilhamento promovida pelos cartéis do entretenimento. Engraçado como todo o clima de perseguição, apesar de ineficiente para coibir o compartilhamento em si, é necessário para a criação desse valor artificial de "legalidade', afim de preservar um modelo de negócios caduco e em princípio incompatível com a estrutura atual da Internet, no próprio espaço da rede. Talvez seja essa a única função desses ataques generalizados a compartilhadores de arquivos: além, é claro, de gerar uma receita a partir de acordos extrajudiciais, sustentar um modelo de negócios anacrônico na Internet.

Com todo mundo de saco cheio com a MPAA, RIAA e BSA, e com as campanhas anti-DRM ganhando alguma projeção na mídia, é de se perguntar quanto tempo a BitTorrent vai resistir antes de se transformar em algo patético como a Napster ou a Yahoo Music. Tudo o que a BitTorrent tem é a marca e o mindshare. E isso não proporcionou vantagem alguma para a Napster. A tecnologia torrent em si, como todos sabem, é neutra e vai persistir independentemente do destino da BitTorrent corporativa. Nem mesmo a cooptação de ícones do compartilhamento (primeiro Shawn Fanning, agora Bram Cohen), serve para alguma coisa. O efeito moral é praticamente nulo.

Na minha previsão, o panorama das lojas de mídia digital para o futuro próximo fica assim:

  • Hegemonia da loja iTunes, por vinculação a itens de hardware altamente vendáveis (iPod e o futuro iTV);
  • Provável fracasso do Zune Marketplace (com resistência do aparelho Zune, entretanto, já que parece ser um player razoável para mídia não-protegida...isto é, se você não for usar a patética opção do "squirt", que aplica DRM a qualquer arquivo transferido via Wi-Fi, independentemente do conteúdo ser protegido ou não);
  • Persistência simbólica das lojas de música que seguem o modelo PlaysForSure;
  • Persistência de lojas que oferecem arquivos sem DRM, como a eMusic, uma vez que a ausência de DRM, assim como a "legalidade", é um valor agregado que tem o potencial de promover vendas;
  • Inviabilização, na origem, de modelos de negócios baseado em licenças compulsórias, pela eliminação dessas licenças onde elas existirem (caso da Rússia, com a allofmp3.com, que vai ser fechada por coerção americana, baseada em sanções comerciais e como condição para participação na OMC), ou pelo lobby contrário à criação de licenças compulsórias para transmissão online de conteúdo (vide o fim da tentativa francesa este ano de se inserir uma licença compulsória na implementação da Diretiva de Copyright da UE).

Essa última previsão, se concretizada (e tudo indica que será), vai ser um grande tiro no pé. A única alternativa, no momento, para a indústria do conteúdo, parece-me ser jogar tudo para o alto e investir em licenças compulsórias com o auxílio de serviços de monitoramento online de sistemas de compartilhamento, como os da BigChampagne e da CacheLogic. Tudo bem que há sérios problemas de implementação no sistema de monitaramento e arrecadação de remuneração por reprodução digital (basta observar a experiência de entidades como a ASCAP e a BMI nos EUA, e o ECAD no Brasil, no espaço extra-digital). Mas tudo indica que essa é a única alternativa viável. Se for preciso dar os anéis para não entregar os dedos, esse é o caminho a ser perseguido.

Evidentemente, não é o que acontecerá. Enquanto não houver sistema de DRM eficiente (uma contradição nos próprios termos), e enquanto não houver implementação dos tão prometidos sistemas de trusted computing (ou treacherous computing), não há absolutamente nada que obstaculize o compartilhamento de arquivos livre e desimpedido. Também creio que isso não acontecerá. Fora a questão da possibilidade constante e sempre presente de destruição por circunvenção, sistemas de DRM precisariam estar sustentados por standards únicos, e a indústria parece ainda estar interessada em cortar a competição pela raiz a partir da proliferação de uma pluralidade de standards propositadamente incompatíveis. Em relação ao trusted computing, é uma idéia radical demais, que contraria toda a postura de fabricação de PCs neutros e multi-purpose, radicada na indústria de eletrônicos. E mesmo se se tornar realidade, também não seria um sistema inviolável. A primeira coisa que vai acontecer se o cerco fechar nas fabricantes de eletrônicos mainstream será a criação e fabricação de hardware e software destinados a quebrar sistemas de trusted computing. E se for preciso que esses equipamentos entrem no país via contrabando, é o que vai acontecer.

Enfim, mais um capítulo lamentável nessa saga tragicômica da propriedade intelectual pós-Internet...

EDIT.: Leia também: Universal tenta forçar Apple a pagar uma "taxa do iPod"

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Ótimo post, me situou na situação toda.

Ia até dizer alguma coisa, mas tá tudo muito bem escrito aí.

É tudo um grande ciclo vicioso.

renmero.blogspot.com

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Bem, a Warner anunciou que pretende vender filmes em arquivos digitais que poderão ser gravados em DVD:

[quote=Omelete]Richard Parsons, executivo chefe da Time Warner, anunciou que a empresa planeja oferecer ao público a oportunidade de baixar filmes pela internet e gravá-los em DVD a partir de 2007. (...)

Não foi informado se o serviço será oferecido em outros países, se estarão disponíveis apenas versões simples ou também as estendidas dos filmes. Não foi comentado, também, se o preço será substancialmente diferente do praticado no comércio do DVD tradicional.[/quote]

Meu blog

Foto de Bennett

Modelo iTunes, então.

Foto de Bennett

Entrevista com o Bram Cohen na Wired:

[quote]WN: Can you offer some details on compatibility and hardware requirements for video content downloaded with the new service? Will there be a special software player, digital rights management, cross-platform compatibility?

BC: We're rolling out with some content DRM'd, using Windows DRM, at the insistence of our content partners. We're very concerned about the usability problems DRM introduces, and are educating our content partners about the lost commercial opportunity.

WN: So, as it stands right now, the downloaded video content will only work on Windows software?

BC: At the initial launch, yes, the content from the studios and networks will be protected with Windows DRM.[/quote]

Fonte

Torço por um grande fracasso para Cohen e para a BitTorrent.

Enquanto isso, a Aelitis, responsável pelo Azureus, também está tentando arranjar um modelo de negócios sustentável. Lançaram o Zudeo, um site cujo propósito eu ainda não entendi direito, mas que parece ser um YouTube via BitTorrent, centralizado em conteúdo original independente. O Zudeo está integrado com a nova versão do Azureus, lançada hoje, e parece que é apenas uma barra de buscas no cliente, no presente momento.

Previsivelmente alguém já disponibilizou conteúdo não licenciado , no caso, Deep Red, do Dario Argento, em sua integridade (EDIT.: Sorry, Deep Red parece ser de domínio público na versão americana). Os links do Zudeo não são links torrent normais, você PRECISA do Azureus.

Bem...se eu tiver que chutar, não acho que vai dar certo...